quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Periquito não dá só em árvores

Andar pela praça Rui Barbosa sem ouvir os periquitos cantarolando nas árvores é extremamente difícil. É impossível não perceber a algazarra dos pássaros no centro da cidade. Cantam bonito e voam como se estivessem dançando.

Mas Curitiba conta também com outra espécie de periquitos. Eles trabalham de segunda a sexta nas ruas da capital e estão em todos os locais. Esses são passíveis de ficarem despercebidos, pois não cantam, só escrevem e às vezes resmungam. Basta parar em local proibido, estacionar sem comprar o cartão do Estar ou demorar um pouco além do imaginado na fila do banco a ponto do Estar vencer que nunca mais você vai esquecer do arrombo na sua conta bancária que esses “pássaros” vão fazer. Isso mesmo, eles consomem dinheiro, mas teoricamente tudo para a melhoria do itinerário da cidade.

Antigamente era trabalho para mulher. Muitas crianças não sabiam ao certo para que elas serviam, mas uma coisa era certeza, não deviam ser do bem, pelo menos não para o bem dos pais. Agora já se vê um misto de homens e mulheres trabalhando na fiscalização do trânsito de Curitiba. A cor do uniforme também mudou, de um verde “periquito” para cinza, provavelmente proposital para que os agentes de trânsito percam o apelido de “periquita”.

É só parar com o carro por pouco mais dos 15 minutos permitidos na Rodoferroviária para comprar uma passagem que lá se vê a periquita procurando o dono do veículo para que o retire do local ou simplesmente aplicando uma infração de trânsito. Se conseguir chegar aos exatos 15 minutos no carro você pode receber um simples sorriso amarelo, um sinal de beleza ou avistar as costas da periquita ou do periquito, que não largam os bloquinhos das mãos. E essas são algumas das mais diversas situações possíveis para se deparar ou se irritar com os periquitos da Diretran de Curitiba, que agora não são mais verdes como os das árvores, são cinzas.

Na calada da noite

Há quem a tema. Ou quem simplesmente não a conheça. Há quem faça mau juízo sobre ela. Ou quem, de longe, apenas a olhe pela janela.

Próxima ou remota, a noite impressiona. E exerce fascínio entre temerosos e encantados, convencionais e despojados, perdidos e achados, “apocalípticos e integrados”.

Sim, a noite fascina e reserva mistérios. Esconde situações perigosas, riscos inconvenientes, segredos indecorosos. Mas, ao mesmo tempo, expõe, em magnitude, a beleza de um céu estrelado, de uma rotina interrompida ou de uma cidade calada.

Durante o dia, o compasso é frenético. Mal se tem tempo para prestar atenção no cenário onde se desenvolvem as ações corriqueiras de um grande centro. Mas à noite, a quietação chega a ser mórbida. E, longe das possíveis badalações noturnas, o palco do espetáculo se torna vazio, deixando-se ser observado.

Não que não exista vida ou movimento durante a madrugada. Existe. Mas a evolução parece poética. E funciona em impressionante simetria.

É nesse momento em que se pode notar como as coisas estão, quase sempre, em seu devido lugar. Mesmo quando ocorrem os imprevistos previsíveis. “Até quando o corpo pede um pouco mais de alma”.

Caminhando como numa trilha, pode-se ver - com a calma que o dia não permite - o sinaleiro, a faixa de pedestres, o banco da praça, o Largo da “desordenada” Ordem. O cachorro-quente da esquina, o cachorro vira-lata atravessando a rua, a canaleta do expresso, o Homem Nu. O Centro Cívico, o bar da esquina, a menina dos olhos, o olho do museu. O bêbado olvidado, a ronda policial, o acidente de automóvel, o assassinato na meia-noite. A volta pra casa, a fuga de casa, a porta de casa, a casa.

Cada detalhe livre aos olhos de quem se dispõe a olhar. De quem, ao sair, não pensa em voltar. De quem se detém somente a observar. De quem não se deixa enganar: a noite não é terrível. A noite pode ser, apenas, misteriosamente fúnebre e surpreendente.