quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Na calada da noite

Há quem a tema. Ou quem simplesmente não a conheça. Há quem faça mau juízo sobre ela. Ou quem, de longe, apenas a olhe pela janela.

Próxima ou remota, a noite impressiona. E exerce fascínio entre temerosos e encantados, convencionais e despojados, perdidos e achados, “apocalípticos e integrados”.

Sim, a noite fascina e reserva mistérios. Esconde situações perigosas, riscos inconvenientes, segredos indecorosos. Mas, ao mesmo tempo, expõe, em magnitude, a beleza de um céu estrelado, de uma rotina interrompida ou de uma cidade calada.

Durante o dia, o compasso é frenético. Mal se tem tempo para prestar atenção no cenário onde se desenvolvem as ações corriqueiras de um grande centro. Mas à noite, a quietação chega a ser mórbida. E, longe das possíveis badalações noturnas, o palco do espetáculo se torna vazio, deixando-se ser observado.

Não que não exista vida ou movimento durante a madrugada. Existe. Mas a evolução parece poética. E funciona em impressionante simetria.

É nesse momento em que se pode notar como as coisas estão, quase sempre, em seu devido lugar. Mesmo quando ocorrem os imprevistos previsíveis. “Até quando o corpo pede um pouco mais de alma”.

Caminhando como numa trilha, pode-se ver - com a calma que o dia não permite - o sinaleiro, a faixa de pedestres, o banco da praça, o Largo da “desordenada” Ordem. O cachorro-quente da esquina, o cachorro vira-lata atravessando a rua, a canaleta do expresso, o Homem Nu. O Centro Cívico, o bar da esquina, a menina dos olhos, o olho do museu. O bêbado olvidado, a ronda policial, o acidente de automóvel, o assassinato na meia-noite. A volta pra casa, a fuga de casa, a porta de casa, a casa.

Cada detalhe livre aos olhos de quem se dispõe a olhar. De quem, ao sair, não pensa em voltar. De quem se detém somente a observar. De quem não se deixa enganar: a noite não é terrível. A noite pode ser, apenas, misteriosamente fúnebre e surpreendente.

2 comentários:

Curitiba Alternativa disse...

'Sem dono, ganhou a noite...', como diz a canção. Enquanto lia lembrei do filme 'Cão sem Dono'(em cartaz). Em uma das seqüências, a personagem principal sai para passear com o cachorro na madrugada, pelo centro de Porto Alegre. Boa percepção sobre a cidade no seu reverso. Tão pulsante em histórias, situações, vivências quanto o dia, que surge (talvez) para interromper a rotina. Trazer o relato dessas pessoas navegantes que às vezes parecem não parar de sair dos bueiros, como diz um amigo, poderia render outro post. abç!

Curitiba Alternativa disse...

Se quiser conferir, estou com o livro que originou o filme. 'Até o Dia em que o Cão Morreu'.